segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Eu matei o amor – relatos de um assassino


Eu matei o amor – relatos de um assassino

Sempre achei que amar fosse a maior de todas as loucuras do ser humano. Tentei me manter ‘normal’ e lutei contra essa loucura por bastante tempo, até que me aceitei louco, e nunca mais tive paz na vida.

Conheci o amor aos vinte e um anos, antes disso ele não existia nem nos meus sonhos, nem nos meus pais. Encontrei-o numa livraria grande da cidade, e depois de comer tapioca no alto da Sé e conversar bastante com ele eu senti o primeiro frio na barriga. Primeiro de toda a vida.

No dia seguinte eu senti medo. E era apenas o começo. Tive medo de ser abandonado, medo de expor minhas fraquezas, medo de ser apunhalado pelas costas, tantos medos eu senti, mas não foram suficientes para me fazer desistir do amor. E diferente do que eu esperava, ele foi bastante bonzinho comigo nesse primeiro contato, realmente não tenho do que reclamar.

No começo foi tudo bem, mas logo – e eu disse: logo – o amor me deixou bastante confuso, sem saber o que fazer, pois eu não tinha referências de amor, esse sentimento era pra mim um completo desconhecido e eu não sabia como lidar com ele. Eu tinha certeza de tê-lo encontrado, mas não soube o que fazer, como agir, o que pensar.

Não durou muito até que eu o matei.

Claro que me senti mal depois, era a primeira vez que eu o matava, senti sua falta nos meses seguintes, me arrependi do que fiz, mas já era tarde, ele havia morrido. Passei muito tempo cultuando aquele amor-defunto até que um dia, depois de muito sofrer, tive a idéia nada original de jamais me apaixonar novamente. E não é imprevisível dizer que pouco depois eu trai minha promessa, e voltei a me apaixonar.

Mas que fique bem claro, os outros amores nunca foram como o primeiro.

Eu passei a procurar em diversos rostos e corpos aquele amor que havia matado, vivi outros tantos amores (ou pseudo-amores), todos me machucaram e me deixaram confuso, todos eu acabei matando. No fim eu me encontrava com a alma calejada pelos amores vividos, cheio de pedras no sapato, afiadas, e o coração esquartejado. O amor também me fez suar frio, me deixou ansioso, triste, deprimido e, quem diria, até feliz. Mas esse último ocorreu apenas na minoria das vezes, e por um curto espaço de tempo.

Por esses motivos, e tantos outros que não cabem aqui, eu resolvi matar o amor dentro de mim, tornei-me um assassino em série. Passei a exterminá-lo friamente diante do menor perigo, qualquer passo em falso e eu sou capaz de dar um tiro na sua testa. E não sofro mais no dia seguinte, afinal isso é coisa pra iniciante, já sou profissional.

Mas apesar de eu ser um réu confesso, quero que fique bem claro que não tenho essa prática como um hobbie, não me dá prazer assassinar pobres amores incipientes e nem faço isso pra saciar qualquer desejo mórbido, faço porque não vejo outro caminho. Eu queria que o amor fosse pra mim uma companhia agradável, que me fizesse bem, mas ele me agride e eu não sei me defender de sua agressão de outra forma que não seja acabando com ele.

Acho que não aprendi a amar, não aprendi a ser amado.

O amor me obriga a matá-lo dentro de mim. E quando tento matá-lo sinto uma dor no peito que me lembra: ele é uma parte de mim. Ou seja, ao matá-lo eu mato um pouco de mim também, e justamente por isso eu sofro bastante.

Um dia, cansado de sofrer e de matar, eu tentei fazer do amor um sentimento tolerável, torneio-o platônico. Mas foi bobagem minha, pois logo descobri que até mesmo amores platônicos nos fazem sofrer. E como fazem... Fui ingênuo ao pensar que alimentando o amor diariamente, com boas doses de fantasia, ele se manteria nos confins da minha mente, quietinho, sem me incomodar, e quem sabe num dia distante se tornaria real e saudável. Mas esse dia nunca chegou, e ele acabou me ferindo como todo os outros amores "não-platônicos".

Foram muitos amores. Matei diversas vezes. E ressuscitei tantas outras.

Hoje eu cansei de amar, cansei de ser um assassino também. Por isso decidi que não vou mais matar o amor, apenas vou colocar uma pedra enorme e pesada em cima dele. E deixar que o tempo execute o resto do trabalho sujo. Eu desisto do amor, e nada me tira da cabeça que esse sentimento antes de tudo é masoquista, dói, e mesmo assim ainda insistimos em cultivá-lo.

[Mente Hiperativa]

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